A queda dos Anjos rebeldes
Continuando o argumento das catequeses passadas dedicadas aos Anjos, criaturas de Deus, concentramo-nos hoje a explorar o mistério da liberdade que alguns deles orientaram contra Deus, e o seu plano de salvação em relação aos homens.
Como testemunha o evangelista Lucas, no momento em que os discípulos voltavam ao Mestre cheios de alegria, pelos frutos recolhidos no seu tirocínio missionário, Jesus pronuncia uma palavra que faz pensar: "Eu via satanás cair do céu como um raio" (cf. Lc 10,18). Com estas palavras o Senhor afirma que o anúncio do reino de Deus é sempre uma vitória sobre o diabo, mas ao mesmo tempo revela também que a edificação do reino está continuamente exposta às insídias do espírito mau.
Como se hão de compreender esta oposição e esta rebelião a Deus em seres dotados de tão viva inteligência e enriquecidos com tanta luz? Qual pode ser o motivo desta radical e irreversível escolha contra Deus? De um ódio tão profundo que pode parecer unicamente fruto de loucura? Os Padres da Igreja e os teólogos não hesitam em falar de "cegueira" produzida pela supervalorização da perfeição do próprio ser, levada até o ponto de velar a supremacia de Deus, que, pelo contrário, exigia um ato dócil e obediente submissão. Tudo isto parece estar expresso de modo conciso nas palavras: "Não Vos servirei" (Jr 2,20), que manifestam a radical e irreversível recusa a tomar parte na edificação do reino de Deus no mundo criado. "Satanás", o espírito rebelde, quer o próprio reino, não o de Deus, e erige-se em "primeiro" adversário do Criador, em opositor da Providência, em antagonista da sabedoria amorosa de Deus.
Interessar-se por isso, como pretendemos fazer, quer dizer preparar-se para a condição de luta que é própria da vida da Igreja neste tempo derradeiro da história, da salvação (como afirma o livro do Apocalipse, cf. 12,7). Por outro lado, isto permite esclarecer a reta fé da Igreja perante quem a altera exagerando a importância do diabo, ou quem nega ou minimiza o seu poder maléfico.
A queda, apresenta o caráter da rejeição de Deus, com o conseqüente estado de danação, consiste na livre escolha daqueles espíritos criados, que radical e irrevogavelmente rejeitaram Deus e o seu reino, usurpando os seus direitos soberanos e tentando subverter a economia da salvação e a própria ordem da criação inteira. Um reflexo desta atitude encontra-se nas palavras do tentador aos progenitores: "sereis como Deus" ou "como deuses" (cf. Gn 3,5). Assim o espírito maligno tenta insuflar no homem a atitude de rivalidade, de insubordinação e de oposição a Deus, que se tornou quase a motivação de toda a sua existência.
Da rebelião e do pecado do homem, devemos concluir acolhendo a sábia experiência da Escritura que afirma: "Na soberba está contida muita corrupção" (Tb 4,13).
Devemos acrescentar as impressionantes palavras do Apóstolo João: "O mundo inteiro está sob o jugo do maligno" (l Jo 5,19), aludem também à presença de satanás na história da humanidade, uma presença que se acentua à medida que o homem e a sociedade se afastam de Deus. O influxo do espírito maligno pode ocultar-se de modo mais profundo e eficaz: fazer-se ignorar corresponde aos seus "interesses". A habilidade de satanás no mundo está em induzir os homens a negarem a sua existência, em nome do racionalismo e de cada um dos outros sistemas de pensamento que procuram todas as escapatórias para não admitir a obra dele. Isto não significa, porém, a eliminação da vontade livre e da responsabilidade do homem e nem se quer a frustração da ação salvífica de Cristo. Trata-se antes de um conflito entre as forças obscuras, do mal e as forças da redenção. São eloqüentes a este propósito as palavras que Jesus dirigiu a Pedro no inicio da Paixão: "Simão, olha que satanás vos reclamou para vos joeirar como o trigo. Mas Eu roguei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça" (Lc 22,31).
Por isso compreendemos o motivo por que Jesus, na oração que nos ensinou, o "Pai-nosso", que é a oração do reino de Deus, termina bruscamente, ao contrário de muitas outras orações do seu tempo, recordando-nos a nossa condição de expostos às insídias do Mal-Maligno. O cristão, fazendo apelo ao Pai com o espírito de Jesus e invocando o seu Reino, brada com a força da fé: não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal, do Maligno. Não nos deixeis, ó Senhor, cair, na infidelidade a que nos tenta aquele que foi infiel desde o princípio.
Catequese do Papa João Paulo II
Audiência do dia 13 de agosto de 1986
(Publicada no L'OSSERVATORE ROMANO, ed. port., no dia 17 de agosto de 1986.)
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