[Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, 17 de dezembro de 2001]
212. Enfim, é preciso insistir que a meta última da veneração dos Santos é a glória de Deus e a santificação do homem mediante uma vida plenamente conforme à vontade divina e à imitação das virtudes daqueles que foram eminentes discípulos do Senhor.
Por isso, na catequese e em outros momentos da transmissão da doutrina se deverá ensinar aos fiéis que: a nossa relação com os Santos deve ser concebida à luz da fé, não deve "esvaziar, mas, pelo contrário, manter e até desenvolver o culto de adoração devido unicamente a Deus Pai, por Cristo, no Espírito Santo"; "o verdadeiro culto aos Santos não consiste na multiplicação dos atos exteriores, mas na intensidade do amor ativo", que se traduz em empenho de vida crista [Cf. LG, n. 51].
Os Santos Anjos
213. Através da clara e sóbria linguagem da catequese, a Igreja ensina que "a existência de seres espirituais, não corporais, que a Sagrada Escritura chama habitualmente de Anjos, é uma verdade de fé. O testemunho da Escritura a respeito é tão claro quanto a unanimidade da Tradição" [CICat 328].
Segundo a Escritura, os Anjos são mensageiros de Deus, "heróis fortes que executam suas ordens, obedecendo sua palavra" (Sl 103,20), colocados a serviço do seu desígnio salvífico, "enviados a serviço daqueles que deverão herdar a salvação" (Hb 1,14).
214. Os fiéis não ignoram os numerosos episódios da Antiga e da Nova Aliança, nos quais os santos Anjos intervêm. Sabem que os Anjos guardam as portas do paraíso terrestre (cf. Gn 3,24), salvam Agar e seu filho Ismael (cf. Gn 21,17), seguram a mão de Abraão que está pronta para sacrificar o filho Isaac (cf. Gn 22,11), anunciam nascimentos prodigiosos (cf. Jz 13,3-7), guardam os passos do justo (cf. Sl 91,11), louvam incessantemente o Senhor (cf. Is 6,I-4) e apresentam a Deus as orações dos Santos (cf. Ap 8,3-4). Lembram-se também da intervenção de um Anjo em favor do profeta Elias, fugitivo e extenuado (cf. 1Rs 19,4-8), de Azarias e dos seus companheiros jogados na fornalha (cf. Dn 3,49-50), de Daniel preso na cova dos leões (cf. Dn 6,23); para eles é familiar a história de Tobias, na qual Rafael, "um dos sete anjos que assistem diante da claridade do Senhor e entram em sua presença" (cf. Tb 12,15), realiza vários serviços em favor de Tobit, do seu filho Tobias e de Sara, a mulher deste.
Os fiéis também sabem que não são poucos os episódios da vida de Jesus nos quais os Anjos exercem uma função especial: o Anjo Gabriel anuncia a Maria que conceberá e dará à luz o Filho do Altíssimo (cf. Lc 1,26-38) e, de modo parecido, um Anjo revela a José a origem sobrenatural da maternidade da Virgem (cf. Mt 1,18-25); os Anjos levam aos pastores de Belém a alegre notícia do nascimento do Salvador (cf. Lc 2,8-14); o "Anjo do Senhor" protege a vida do Menino Jesus ameaçada por Herodes (cf. Mt 2,13-20); os Anjos servem a Jesus no deserto (cf. Mt 4,11) e o confortam na agonia (cf. Lc 22,43), anunciam às mulheres que se dirigiram ao túmulo de Cristo que ele "ressuscitou" (cf. Mc 16,1-8) e intervêm também na ascensão, para revelar aos discípulos o sentido dela e para anunciar que "Jesus [...] virá assim, do mesmo modo como o vistes partir para o céu" (At 1,11).
Os fiéis reconhecem a importância da advertência de Jesus para não desprezar um só dos pequeninos que crêem nele, "os seus anjos, no céu, contemplam sem cessar a face do meu Pai que está nos céus" (Mt 18,10), e da consoladora palavra segundo a qual "haverá alegria entre os Anjos de Deus por um só pecador que se converte" (Lc 15,10). Enfim, eles sabem que "quando o Filho do Homem vier em sua glória, acompanhado de todos os anjos, ele se assentará em seu trono glorioso" (Mt 25,31) para julgar os vivos e os mortos e dar cumprimento à história.
215. A Igreja, que em seus primórdios foi guardada e defendida pelo ministério dos Anjos (cf. At 5,17-20; 12,6-11) e que constantemente experimenta a sua "ajuda misteriosa e poderosa" [CICat., 334], venera esses espíritos celestes e, confiante, solicita a intercessão dos mesmos.
Durante o Ano litúrgico, a Igreja comemora a participação dos Anjos nos eventos da salvação [Assim, por exemplo, na própria solenidade máxima, a Páscoa, e nas solenidades da Anunciação (25 de março), do Natal (25 de dezembro), da Ascensão, da Imaculada Conceição (8 de dezembro), da Assunção (15 de agosto) e de Todos os Santos (12 de novembro)], e celebra a memória deles em alguns dias particulares: em 29 de setembro a dos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael; em 2 de outubro a dos Anjos da Guarda; a eles dedica uma Missa votiva, cujo prefácio proclama que "a glória de Deus resplandece nos Anjos" [MISSAL ROMANO, Prefácio dos Anjos]; na celebração dos divinos mistérios se associa ao canto dos Anjos para proclamar a glória do Deus três vezes santo (cf. Is 6,3) [Cf. MISSAL ROMANO,Oração Eucarística, Santo] e invoca a assistência deles para que a oferta eucarística "seja levada ao altar do céu, diante da [...] majestade divina" [MISSAL ROMANO, Oração Eucarística I, Nós vos suplicamos]; na presença deles celebra o oficio de louvor (cf. Sl 137,I) [S. BENEDITO, Regula, 19,5: CSEL 75, Vindobonae, 1960, p. 75]; confia ao ministério dos Anjos as orações dos fiéis (cf. Ap 5,8; 8,3), a dor dos penitentes [Cf. RITUAL ROMANO, Ritual da Penitência, São Paulo, Ave Maria, 1999, 54], a defesa dos inocentes contra os assaltos do Maligno [Cf. LITURGIA DAS HORAS, 2 de outubro, memória dos Santos Anjos da Guarda, Vésperas, Hino "Aos anjos cantemos, que guardem a todos"]; implora a Deus para que envie, no final do dia, os seus Anjos a fim de guardar na paz os que oram [Cf. LITURGIA DAS HORAS, Completas depois das II Vésperas dos Domingos e Solenidades, Oração "Visitai, Senhor, esta casa"]; ora para que os espíritos celestes venham socorrer os agonizantes [Cf. RITUAL ROMANO, Ritual da unção dos enfermos e sua assistência pastoral, cit., 147] e, no rito das exéquias, suplica para que os Anjos acompanhem até o paraíso a alma do defunto [Cf. RITUAL ROMANO, Ritual de Exéquias, São Paulo, Paulinas, 1971, 50] e guardem o seu sepulcro.
216. Ao longo dos séculos, os fiéis traduziram em expressões de piedade as convicções da fé a respeito do ministério dos Anjos: os assumiram como patronos de cidades e protetores de corporações; em honra deles edificaram famosos santuários, como Mont Saint-Michel na Normandia, san Michele della Chiusa no Piemonte e san Michele al Gargano na Puglia, e estabeleceram dias festivos; compuseram hinos e práticas de piedade.
De modo particular, a piedade popular desenvolveu a devoção ao Anjo da Guarda. São Basílio Magno (1379) já ensinava que "todo fiel tem ao seu lado um Anjo como protetor e pastor, a fim de conduzi-lo à vida" [S. BASÍLIO DE CESARÉIA, Adversus Eunomium, III, 1: PG 29, 656]. Essa antiga doutrina foi pouco a pouco se consolidando em seus fundamentos bíblicos e patrísticos, e deu origem a várias expressões de piedade, até encontrar em são Bernardo de Claraval († 1153) um grande mestre e um apóstolo insigne da devoção aos Anjos da Guarda. Para ele, esses Anjos são demonstração de "que o céu não descuida de nada que possa ser de ajuda" e, por isso, coloca "ao nosso lado esses espíritos celestes a fim de que nos protejam, nos instruam e nos guiem" [S. BERNARDO DE CLARAVAL,Sermo XII in Psalmum "Qui habitat", 3, In: Sancti Bernardi Opera. Romae, Editiones Cistercienses, IV, 1966, p. 459].
A devoção aos Anjos da Guarda dá também lugar a um estilo de vida caracterizado por:
• devota gratidão a Deus, que colocou a serviço dos homens espíritos de tão grande santidade e dignidade;
• atitude de compostura e piedade, provocada pela consciência de estar constantemente na presença dos santos Anjos;
• serena confiança no enfrentamento de situações até difíceis, porque o Senhor guia e assiste o fiel no caminho da justiça até mesmo através do ministério dos Anjos.
Entre as orações ao Anjo da Guarda é especialmente difundida o Anjo de Deus [Cf. EI,Normae e concessiones, 18, p. 65], que em muitas famílias faz parte das orações da manhã e da noite e que, em muitos lugares, acompanha também a recitação do Anjo do Senhor.
217. A piedade popular para com os santos Anjos, legítima e salutar, pode entretanto dar lugar a desvios, como, por exemplo:
• se, como às vezes acontece, surge no espírito dos fiéis uma concepção errônea segundo a qual eles consideram o mundo e a vida submetidos a tensões demiúrgicas, à luta incessante entre espíritos bons e espíritos maus, entre os Anjos e os demônios, na qual o homem é envolvido por poderes a ele superiores, diante dos quais não pode fazer nada; essa concepção, ao mesmo tempo que desresponsabiliza o fiel, não corresponde à genuína visão evangélica da luta contra o Maligno, que requer do discípulo de Cristo empenho moral, opção pelo Evangelho, humildade e oração;
• se as vicissitudes cotidianas da vida são lidas de modo esquemático e simplista, quase infantil, atribuindo ao Maligno até as mínimas contradições, e, ao contrário, ao Anjo da Guarda sucessos e realizações, que pouco ou nada têm a ver com o progresso do homem na sua caminhada rumo à consecução da maturidade de Cristo. Deve-se reprovar também o uso de dar aos Anjos nomes particulares, exceto Miguel, Gabriel e Rafael, que estão contidos na Escritura.
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Santo Anjo da Guarda nossa companhia.