Trago em especial hoje esta história, um testemunho de um sacerdote, que muito me tocou...
um recomeço, um sopro de amor...
PADRE "tu és o amor do coração de Jesus"!
Testemunho:
O Pe. Mirot estava calmamente sentado num banco, nos jardins das Tuilleries, em Paris, e rezava o breviário. Estava tão compenetrado na oração que nem notou que um vagabundo se foi sentar no mesmo banco. Assaltar o padre, não era o caso. Havia muita gente pelos jardins. Roubar? Também não. Enlaçou os dedos e parecia rezar junto.
O Pe. Mirot enfiou o indicador por entre as páginas, fechou o breviário rezando o Pai-nosso, olhando por sobre os óculos para a relva. Proferiu a meia voz "et ne nos inducas in tentationem" (não nos deixes cair em tentação), e o mendicante acrescentou "sed libera nos a malo" (mas livrai-nos do mal).
O pároco voltou-se admirado, e só então se deu conta do companheiro. Afável, como era, disse: "Oh, o senhor foi acólito em pequeno?" "Sim, reverendo, e mais". "Ah, talvez sacristão?" "Muito mais".
O Pe. Mirot fixou novamente o seu olhar distante por sobre as lentes, esperando uma explicação. "Eu fui padre". Por pouco o breviário não caiu das mãos do velho pároco. Os óculos escorregaram-lhe até a ponta do nariz. "Foi padre? E o que é agora?" "Agora não sou nada".
O Pe. Mirot observou o seu interlocutor. Seria um embusteiro? O vadio olhava para o chão, sentindo o olhar indagador do pároco. Sentiu ser seu dever comprovar a veracidade do que afirmava. "Reverendo, penso que estou a inventar. Não, não estou a mentir. Digo a pura verdade". Sem erro recitou o cânon da Missa e as orações que o sacerdote usa na administração dos santos Óleos. A seguir dissertou com competência sobre a posição da doutrina teológica do jesuíta Molina, tema sobre o qual discorrera esplendidamente como estudante de teologia.
"Basta, basta! De fato, o senhor é padre". O Pe. Mirot passou a tratá-lo por 'reverendo', pois no seu modo de ver, o carácter sacerdotal é indelével. "Ah, meu pobre confrade, como é que tudo isso aconteceu?" O outro respirou profundamente, e começou a contar:
"Nasci num lugarejo provinciano. O meu pai confeccionava escovas. Teve sete filhos. Eu era o mais novo. A minha mãe fez a promessa de consagrar-me ao serviço de DEUS. Desde que comecei a pensar, falava disso. Quando me perguntava sobre se eu gostava, afirmei sempre 'sim'. Em parte por respeitar padres, mas também por saber que a mãe gostava de ouvir tal resposta, e, por isso, me tratava bem. Devo dizer que o plano da mãe não era só a glória de DEUS, mas também a promoção dela aos olhos dos outros. A sua pretensão firmava-se mais ainda por eu ser talentoso. No liceu, excepto na matemática, eu era o primeiro em tudo. O meu procedimento era exemplar.
Nas férias em casa, porém, eu sentia um fascínio magnético pelo mundo. Tinha sérias dúvidas sobre a vocação. Resolvi abrir-me com a minha mãe. Com prudência, ao passear, comecei a falar claramente. Ela ficou transtornada. O seu olhar desvairado, brilhava como o de uma alucinada.
Cortei o assunto e puxei outro. Apavorado, reconheci ter esperado demais. E agora? Abrir-me com o director espiritual do seminário? Não tive coragem de lhe causar tamanha desfeita, eu era 'o melhor' do seminário.
Antes das ordens sacras abri a minha alma a um colega e supliquei-lhe que fizesse a minha mãe perceber. Nas férias veio visitar os meus pais, e explicou o caso à minha mãe 'que achava que não seria feliz no sacerdócio'. A mãe ficou fora de si, a espuma veio-lhe à boca, e precisou até de ser acudida por outras pessoas.
Este colega veio informar-me: a meu ver só há duas possibilidades para o teu caso: um dos dois será infeliz, ou tu ou a tua mãe. - Ao que eu respondi: então eu serei infeliz. Serei ordenado, e consolar-me-ei em perder-me na correnteza do activismo e assim aguentarei.
Mas tornei-me um mau padre. Caí, fui suspenso do uso de ordens. Felizmente a mãe não sofreu esta vergonha. Não me submeti às ordens dos meus prepostos. Pendurei a batina e escolhi a liberdade. Procurei a liberdade e caí na escravidão. Fui rolando degrau a degrau.
O padre pôs as mãos no rosto e chorou. O pároco Mirot olhava meditativo em frente. As suas feições tornaram-se tristes, os olhos húmidos. Ele sabia, havia aí muito a perguntar e a falar. Não lhe convinha tocar desnecessariamente na dolorosa ferida. - Uma pergunta, contudo, não pôde deixar de fazer: "E depois de chegar a conhecer o mundo, por que não voltou arrependido?" O padre caído respondeu:
"Mil são os caminhos para o reino do pecado. Um só é o caminho da virtude. É o caminho estreito. A porta é apertada. Nem todos têm a disposição do filho pródigo, e nem todos têm um tal pai. Ao menos eu não tinha a esperança de encontrar um assim. De um monte abrupto e liso escorrega-se num ápice. Mas tornar a subi-lo... como custa! Tentei, quantas vezes! Foi em vão. Quando o diabo tem uma vez uma alma nas garras, não a solta facilmente. Luta ferozmente por ela. E se se trata de uma alma sacerdotal, então, põe todas as potências infernais em movimento".
"E como é que veio abrir-se comigo?" - "Eu observei-o de longe, durante algum tempo, como aliás costumo observar os padres que se cruzam comigo pelo caminho. Uma voz íntima animava-me: vá, confia neste padre. Ele vai ajudar-te. Talvez tenha sido a voz do meu Anjo da guarda. Eu rezo-lhe todos os dias. - E se pudesse mais uma vez começar do princípio... Seria outra coisa!"
O Pe. Mirot reflectiu uns instantes. Então, com alegre energia disse: "Voçê pode começar mais uma vez desde o início. Vou ajudá-lo". Ao padre decaído providenciou roupas, casa e trabalho, ajudar, fazer recados, trabalho de escritório, dar aulas.
Passado um ano, o vagabundo regenerado tornou-se sacristão e apóstolo leigo. Com santo zelo e sucesso trabalhava entre os andarilhos e mendigos. Dominava a gíria deles, conhecia os seus costumes e vícios, o seu sofrimento e tentações. Sabia a saudade que lhe ia no coração e na alma. Muitos e muitos pecadores trouxe de volta a CRISTO.
No terceiro ano entrou num convento, como irmão religioso. Aí, também a sua actividade foi exemplar, deixando os outros na sombra. Parecia um guerreiro, que no início, covardemente, tinha desertado do campo da luta, e que retornava mais aguerrido. Após mais um ano de comprovação, foi recebido no convento como Pe. Ludovico.
O Pe. Mirot fica como que transfigurado, cada vez que a ele se refere. "Poder ter estendido a mão e ajudar um padre decaído, dá-me tanta alegria, que preciso rejubilar. Se na minha vida não tivesse feito outra coisa além isso, seria o suficiente para mim".
O primeiro a preparar o caminho da conversão, porém, foi o Anjo da guarda. A ele a mais profunda gratidão.
(Do livro: A. M. Weigl, "Convivendo com a Anjo da Guarda, Edições Rosário, Curitiba, BR, 1996)
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